Uma entrevista bastante interessante do professor da USP José Eli da Veiga concedida ao Jornal Diário do Nordeste no mês passado.
A entrevista é boa quando informa e coloca para análise coisas que não são ditas no dia a dia ou nos jornais. O senhor Veiga ataca o PIB como indicador de qualidade de vida, ele está certo? Não posso afirmar com certaza, mas pelo menos os argumentos apresentados por ele fazem muito sentido.
Vale a pena conferir.
A entrevista é boa quando informa e coloca para análise coisas que não são ditas no dia a dia ou nos jornais. O senhor Veiga ataca o PIB como indicador de qualidade de vida, ele está certo? Não posso afirmar com certaza, mas pelo menos os argumentos apresentados por ele fazem muito sentido.
Vale a pena conferir.
PIB para medir qualidade de vida é um equívoco total
Entrevista - José Eli da Veiga (25/4/2010)
*Professor da Faculdade de Economia da USP
Professor de Economia e orientador do Instituto de Relações Internacionais da USP, José Eli da Veiga esteve em Fortaleza para lançar o livro "Mundo em Transe: do aquecimento global ao ecodesenvolvimento", a convite da Associação Civil Alternativa Terrazul
Daria, então, para falar em crescimento econômico com sustentabilidade?
A gente tem que abandonar essa ideia de que crescimento econômico pode ser uma coisa infinita, ou seja, padrões de consumo perdulários, consumismo desenfreado, isso certamente vai ter que mudar. O crescimento não vai poder ser de qualquer jeito. A rigor, se a humanidade quiser prolongar sua estadia no Planeta, vai ter que escolher estilos de crescimento que sejam mais benéficos para esses objetivos. Isso vai colocar em questão essa ideia de que a melhor coisa que pode acontecer para um país é aumentar o PIB. Saiu um relatório da Comissão do Desenvolvimento Sustentável do Reino Unido, em abril do ano passado, com o título "Prosperidade sem Crescimento?" e existem pesquisadores mais radicais que já fizeram dois congressos, em Paris e Barcelona, discutindo o decrescimento, que parece muito fora da realidade, mas é sinal de que essa questão não é mera especulação.
É possível falar em qualidade de vida para nossa megapopulação e as que estão por vir?
A gente sabe que a população mundial vai estabilizar e depois diminuir no meio do século. A questão é saber se até esse momento, em que a população mundial vai começar a diminuir, nós vamos conseguir evitar que usem armas nucleares e que o aquecimento global acelere. O consenso que existe é que a gente não deve aumentar mais do que dois graus centígrados a temperatura neste século, não vejo porque seria impossível. Agora, no longo prazo, teremos que fazer uma transição daquilo que Hermam Daly, que é o maior economista ecológico vivo. E isso, por enquanto, é uma discussão muito difícil porque aparentemente é muito abstrata. Para descrever, a gente usa, em geral, a analogia de uma biblioteca abarrotada, onde não entra mais nenhum livro e toda vez que precisa entrar um livro importante, se descarta um que não seja tão importante. Se isso acontecesse, essa biblioteca não estaria aumentando de tamanho, mas melhorando de qualidade. Na sociedade, quando se substitui uma energia fóssil por uma renovável, pode não estar aumentando, necessariamente, o tamanho da economia, não está tendo crescimento econômico no sentido que a gente está acostumado, mas a sociedade está melhorando. Essa é a ideia de condição estável.
Por que o senhor trata PIB e IDH como indicadores toscos?
O PIB, que é anterior, foi concebido para medir a capacidade de um país sustentar uma guerra. Foi na Segunda Guerra Mundial que, na Inglaterra e nos Estados Unidos, os criadores da contabilidade nacional estabeleceram essa noção. O economista Simon Kuznets advertiu, num depoimento ao Congresso Americano, que seu medo era que depois se pudesse utilizar isso como indicador de bem-estar. Se aumentam muito os acidentes nas estradas, o PIB aumenta porque vai ter carro entrando na oficina, gente entrando em hospital; se aumenta a população carcerária e se começa a gastar grande parcela dos recursos públicos para manter esse povo todo na cadeia, o PIB aumenta também. Então, PIB usado como indicador de qualidade de vida, de bem-estar, de prosperidade, de progresso é um equívoco total. Há décadas tem um debate científico em torno disso. Isso só começou a mudar agora com o relatório da Comissão Stiglitz, que propõe três visões. Primeiro: substituir o PIB por uma medida da renda familiar disponível ajustada porque, em muitos países, o PIB pode estar aumentando, mas não a renda média das famílias. Segundo: tem que ter uma medida de qualidade de vida muito mais sofisticada que as atuais, uma série de recomendações que mesmo uma instituição como o IBGE, que é das mais confiáveis, teria uma grande dificuldade de trabalhar. Terceiro: a questão da sustentabilidade. O IDH foi uma grande vitória. Viajando de um país ou região mais desenvolvida para uma menos desenvolvida se nota no grau de escolha das pessoas. Se uma criança está nascendo no Piauí hoje ela tem menor escolha de ser o que ela quiser na vida do que uma outra que nasce em Santa Catarina. O IDH é uma espécie de cotejamento entre nível de vida; um indicador de saúde; avaliação educacional que tem que ser muito tosca para ser abrangente, com coisas do tipo população alfabetizada, taxa de matrícula; gênero. Só que, na renda, eles pegaram o PIB per capita. O IDH foi criado justamente para se diferenciar do PIB per capita e, na medida que não conseguiu medir renda de outra maneira, como propõe agora a Comissão Stiglitz, praticamente infiltrou o problema dentro do IDH. Um país do Oriente Médio, com PIB per capita muito alto porque tem petróleo e tem população pequena pode contrabalançar os maus indicadores em educação, pelo fato de discriminar as mulheres.
O que dizer dos programas governamentais de transferência de renda?
Sou totalmente favorável à ideia de uma renda básica de cidadania, uma proposta do Dom Quixote Suplicy. Só acho errado, na visão de muitos, que o Bolsa Família deveria virar uma renda básica de cidadania. O Bolsa Família é um programa que obviamente foi muito eficiente em reduzir a pobreza, não conseguiu atingir ainda todo mundo que deveria atingir. Seu maior problema, que já está sendo identificado pelo Governo, pelo que eu ouvi, numa entrevista do Ronaldo Garcia, do Ministério do Desenvolvimento Social, é que grande parte dessa população, que teve acesso a alguma coisinha por causa do Bolsa Família, é tão destituída que muitas vezes não aproveita oportunidades por falta de conhecimento. Parte significativa das pessoas que hoje recebem o Bolsa Família não enxerga uma luz no fim do túnel, não sabe, inclusive, a regra do Programa. Há um grau de falta de informação que não é o fato de ele receber uma graninha todo mês que vai mudar. Teria que ter algum tipo de assistência social, acompanhamento. Isso é só tirar da miséria, não é nem tirar da pobreza. Eu discutiria, inclusive, a manutenção dessa definição de pobreza só pela renda. Uma família que tem uma renda superior e que, portanto, não tem direito ao Bolsa Família, se tiver um doente muito sério, vive numa situação pior. Por sorte, no Brasil, tem uma série de outros mecanismos de transferência de renda. A transferência de renda do Estado para populações carentes que mais distribuiu renda no Brasil foi a aposentadoria rural, uma conquista da Constituição.
O que fazer para amenizar as nossas desigualdades sociais?
Até aqui, falamos em pobreza, miséria, etc. Isso não é um problema que mude a desigualdade, mesmo se eu ficar só na desigualdade de renda, que é também muito tosca, porque tem desigualdade racial, de gênero e até religiosa. Uma das coisas que é mais desigual no Brasil é o acesso à saúde. Mesmo com o SUS, que foi uma grande conquista, hoje, no Brasil, 20% da população tem plano de saúde e 80% não tem. Quem tem plano de saúde não só tem um atendimento melhor do que quem depende só do SUS, como está sendo subsidiado pelo SUS. Ter plano de saúde ou não ter plano de saúde não é uma questão de renda porque a faxineira de uma multinacional tem plano de saúde e provavelmente ganha um salário mínimo ou pouco mais que isso. Tem pessoas consideradas até de classe C, que, dizem, é a classe média atual, e que não tem acesso ao plano de saúde. Mesmo que muita gente saia, de fato, da pobreza, isso não mexe com a desigualdade por causa da velocidade com que o outro extremo está concentrando renda.
Daria, então, para falar em crescimento econômico com sustentabilidade?
A gente tem que abandonar essa ideia de que crescimento econômico pode ser uma coisa infinita, ou seja, padrões de consumo perdulários, consumismo desenfreado, isso certamente vai ter que mudar. O crescimento não vai poder ser de qualquer jeito. A rigor, se a humanidade quiser prolongar sua estadia no Planeta, vai ter que escolher estilos de crescimento que sejam mais benéficos para esses objetivos. Isso vai colocar em questão essa ideia de que a melhor coisa que pode acontecer para um país é aumentar o PIB. Saiu um relatório da Comissão do Desenvolvimento Sustentável do Reino Unido, em abril do ano passado, com o título "Prosperidade sem Crescimento?" e existem pesquisadores mais radicais que já fizeram dois congressos, em Paris e Barcelona, discutindo o decrescimento, que parece muito fora da realidade, mas é sinal de que essa questão não é mera especulação.
É possível falar em qualidade de vida para nossa megapopulação e as que estão por vir?
A gente sabe que a população mundial vai estabilizar e depois diminuir no meio do século. A questão é saber se até esse momento, em que a população mundial vai começar a diminuir, nós vamos conseguir evitar que usem armas nucleares e que o aquecimento global acelere. O consenso que existe é que a gente não deve aumentar mais do que dois graus centígrados a temperatura neste século, não vejo porque seria impossível. Agora, no longo prazo, teremos que fazer uma transição daquilo que Hermam Daly, que é o maior economista ecológico vivo. E isso, por enquanto, é uma discussão muito difícil porque aparentemente é muito abstrata. Para descrever, a gente usa, em geral, a analogia de uma biblioteca abarrotada, onde não entra mais nenhum livro e toda vez que precisa entrar um livro importante, se descarta um que não seja tão importante. Se isso acontecesse, essa biblioteca não estaria aumentando de tamanho, mas melhorando de qualidade. Na sociedade, quando se substitui uma energia fóssil por uma renovável, pode não estar aumentando, necessariamente, o tamanho da economia, não está tendo crescimento econômico no sentido que a gente está acostumado, mas a sociedade está melhorando. Essa é a ideia de condição estável.
Por que o senhor trata PIB e IDH como indicadores toscos?
O PIB, que é anterior, foi concebido para medir a capacidade de um país sustentar uma guerra. Foi na Segunda Guerra Mundial que, na Inglaterra e nos Estados Unidos, os criadores da contabilidade nacional estabeleceram essa noção. O economista Simon Kuznets advertiu, num depoimento ao Congresso Americano, que seu medo era que depois se pudesse utilizar isso como indicador de bem-estar. Se aumentam muito os acidentes nas estradas, o PIB aumenta porque vai ter carro entrando na oficina, gente entrando em hospital; se aumenta a população carcerária e se começa a gastar grande parcela dos recursos públicos para manter esse povo todo na cadeia, o PIB aumenta também. Então, PIB usado como indicador de qualidade de vida, de bem-estar, de prosperidade, de progresso é um equívoco total. Há décadas tem um debate científico em torno disso. Isso só começou a mudar agora com o relatório da Comissão Stiglitz, que propõe três visões. Primeiro: substituir o PIB por uma medida da renda familiar disponível ajustada porque, em muitos países, o PIB pode estar aumentando, mas não a renda média das famílias. Segundo: tem que ter uma medida de qualidade de vida muito mais sofisticada que as atuais, uma série de recomendações que mesmo uma instituição como o IBGE, que é das mais confiáveis, teria uma grande dificuldade de trabalhar. Terceiro: a questão da sustentabilidade. O IDH foi uma grande vitória. Viajando de um país ou região mais desenvolvida para uma menos desenvolvida se nota no grau de escolha das pessoas. Se uma criança está nascendo no Piauí hoje ela tem menor escolha de ser o que ela quiser na vida do que uma outra que nasce em Santa Catarina. O IDH é uma espécie de cotejamento entre nível de vida; um indicador de saúde; avaliação educacional que tem que ser muito tosca para ser abrangente, com coisas do tipo população alfabetizada, taxa de matrícula; gênero. Só que, na renda, eles pegaram o PIB per capita. O IDH foi criado justamente para se diferenciar do PIB per capita e, na medida que não conseguiu medir renda de outra maneira, como propõe agora a Comissão Stiglitz, praticamente infiltrou o problema dentro do IDH. Um país do Oriente Médio, com PIB per capita muito alto porque tem petróleo e tem população pequena pode contrabalançar os maus indicadores em educação, pelo fato de discriminar as mulheres.
O que dizer dos programas governamentais de transferência de renda?
Sou totalmente favorável à ideia de uma renda básica de cidadania, uma proposta do Dom Quixote Suplicy. Só acho errado, na visão de muitos, que o Bolsa Família deveria virar uma renda básica de cidadania. O Bolsa Família é um programa que obviamente foi muito eficiente em reduzir a pobreza, não conseguiu atingir ainda todo mundo que deveria atingir. Seu maior problema, que já está sendo identificado pelo Governo, pelo que eu ouvi, numa entrevista do Ronaldo Garcia, do Ministério do Desenvolvimento Social, é que grande parte dessa população, que teve acesso a alguma coisinha por causa do Bolsa Família, é tão destituída que muitas vezes não aproveita oportunidades por falta de conhecimento. Parte significativa das pessoas que hoje recebem o Bolsa Família não enxerga uma luz no fim do túnel, não sabe, inclusive, a regra do Programa. Há um grau de falta de informação que não é o fato de ele receber uma graninha todo mês que vai mudar. Teria que ter algum tipo de assistência social, acompanhamento. Isso é só tirar da miséria, não é nem tirar da pobreza. Eu discutiria, inclusive, a manutenção dessa definição de pobreza só pela renda. Uma família que tem uma renda superior e que, portanto, não tem direito ao Bolsa Família, se tiver um doente muito sério, vive numa situação pior. Por sorte, no Brasil, tem uma série de outros mecanismos de transferência de renda. A transferência de renda do Estado para populações carentes que mais distribuiu renda no Brasil foi a aposentadoria rural, uma conquista da Constituição.
O que fazer para amenizar as nossas desigualdades sociais?
Até aqui, falamos em pobreza, miséria, etc. Isso não é um problema que mude a desigualdade, mesmo se eu ficar só na desigualdade de renda, que é também muito tosca, porque tem desigualdade racial, de gênero e até religiosa. Uma das coisas que é mais desigual no Brasil é o acesso à saúde. Mesmo com o SUS, que foi uma grande conquista, hoje, no Brasil, 20% da população tem plano de saúde e 80% não tem. Quem tem plano de saúde não só tem um atendimento melhor do que quem depende só do SUS, como está sendo subsidiado pelo SUS. Ter plano de saúde ou não ter plano de saúde não é uma questão de renda porque a faxineira de uma multinacional tem plano de saúde e provavelmente ganha um salário mínimo ou pouco mais que isso. Tem pessoas consideradas até de classe C, que, dizem, é a classe média atual, e que não tem acesso ao plano de saúde. Mesmo que muita gente saia, de fato, da pobreza, isso não mexe com a desigualdade por causa da velocidade com que o outro extremo está concentrando renda.
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